terça-feira, 9 de setembro de 2014

As várias faces de Drácula nas telas de cinema


Quando se ouve a palavra Drácula vem à cabeça a imagem de um homem vestindo uma capa preta, com os cabelos engomados e penteados para trás e um sorriso maléfico nos lábios, sempre envolto por uma espessa névoa. Ou, em uma época mais recente, na versão gótico-romântica dirigida por Francis Ford Coppola, Drácula inicialmente aparece como um ser de aparência andrógena, em que se sobressai visíveis traços de sua degeneração. Contudo, após ingerir sangue humano, ele volta a ser jovem e vestindo-se e, principalmente, se comportando como dândi passa a frequentar lugares públicos da cidade de Londres e cortejar a jovem Mina, que vem a ser a encarnação de sua falecida esposa.
Esta é apenas uma pequena demonstração das várias faces de Drácula em suas adaptações cinematográficas. Mas, antes que se possa comentar um pouco sobre as metamorfoses de Drácula no cinema, é necessário comentar um pouco sobre a provável origens desta importante obra, apesar de não ter sido a primeira obra a explorar a figura do vampiro, sem dúvida foi aquela que contribui para sua popularização e permanência no âmbito literário.
A palavra Drácula tem sua origem no idioma eslavo e significa “filho do dragão”, a qual remete à Draculea, uma estirpe de nobres que dominaram território da Valáquia, (atualmente, Hungria), localizado na região da Transilvânia e que eram conhecidos e temidos por sua crueldade. Dentre eles, o príncipe Vlad Tepes é apontado como provável modelo usado pelo autor irlandês Bram Stoker (1847-1912) para a criação do Conde Vampiro.


Bram Stoker

De acordo com as lendas populares, Vlad Tepes costumava se alimentar banhando o pão no sangue de seus inimigos enquanto eles eram executados por meio da empalação, o que resultava em mortes violentas e dolorosas. É   provável que o “gosto” pela violência, sangue e morte do cruel príncipe valaquiano tenha contribuído de forma significativa para que sua imagem ficasse associada a de uma criatura mítica, o vampiro também conhecido pelos eslavos como nosferatu ou strigoi, que se destaca no folclore popular do Leste Europeu e que de algum modo permanece vivo até a época atual. Além disso, também de acordo com relatos folclóricos, algum tempo após seu sepultamento, o corpo de Tepes sumiu misteriosamente e isso fortaleceu sua inserção dentro da esfera do sobrenatural. 
Vale ressaltar que na Romênia, país que anteriormente fazia parte da Valáquia, Vlad Tepes mesmo na época atual é considerado um herói nacional, uma vez que impediu que esse lugar fosse invadido e dominado povo mulçumano. 
De acordo com estudiosos do romance, é possível que durante a escritura de Drácula, que se tornaria a única, apesar de imortal obra-prima de Stoker e um dos livros mais importantes e influentes do final do século XIX, seu autor teria somente se apropriado dos mais sinistros aspectos da turbulenta e violenta personalidade de Vlad Tepes e as teria aproveitado para criar o personagem central de sua narrativa, Drácula. Ainda de acordo com aqueles que estudam o livro, inicialmente, o vampiro seria chamado de Vamphir, mas durante o processo de sua elaboração, Stoker resolveu mudar seu nome para Drácula, porque o achou mais sonoro e pouco mais sinistro. 

    Vlad Tepes: o verdadeiro Drácula

É importante esclarecer que o Drácula descrito no romance tem muito pouco dos outros Dráculas imortalizados pela arte cinematográfica. No texto original, ele aparece como um homem de aspecto totalmente repulsivo e sua aparência não lembra em nada um galã de filme de Hollywood. Quando Mina descreve Drácula a primeira vez que o vê passeando por Londres e de olho no pescoço de uma moça, ela enfatiza seus lábios cruéis, o nariz aquilino, a magreza e, principalmente, sua extrema palidez. Ou seja, o “Drácula literário” se fosse transposto com toda fidelidade provavelmente teria uma existência curta nas telas de cinema.
Além disso, é importante enfatizar que o romance de Stoker aparentemente é “infilmável”. Sua estrutura narrativa é toda fragmentada constituída a partir de diferentes tipos de relatos (cartas, diários, recortes de jornal e, até mesmo diários de navegação e relatórios científicos) narrados sob diferentes pontos de vista e, assim em nenhum momento temos completo acesso à mente do personagem principal: Drácula.
Isso cria um efeito interessante: o Conde vampiro não narra e durante todo o tempo em que transcorre a narrativa, ele é “narrado”, ou seja, tudo que ficamos sabendo sobre Drácula é construído a partir de impressões de outras pessoas, principalmente, por meio do olhar peculiar de Jonathan Harker, que oscila entre vê-lo ora como um nobre decadente, ora um ser diabólico e com poderes sobrenaturais. Grande parte dos eventos de maior impacto descritos na obra, tais como quando Jonathan é “beijado” pelas vampiras que habitam o castelo de Drácula, ou o vampiro ataca e vampiriza Lucy ocorrem em uma atmosfera onírica, que mistura sonho e pesadelo, em que pela forma de narração adotada não é possível separar o que é real do que é imaginário.
É importante enfatizar que em seu romance Stoker privilegia mais o clima de mistério, carregado de tensão e suspense, principalmente, no capítulo que descreve a chegada de uma monstruosa e misteriosa criatura à praia de Whitby – que, posteriormente é revelado ser o próprio Drácula -, do que as cenas de terror, embora, elas possam ser consideradas até hoje de grande impacto visual devido à descrição em detalhes de atos de violência – a execução de Lucy com uma estaca é um exemplo e que até então era pouco explorada nos textos góticos.
A partir dessas afirmações sobre a intricada estrutura narrativa de Drácula é possível comprovar que adaptá-lo para o cinema consiste em uma tarefa difícil, porque demanda que algumas de suas passagens sejam deixadas de lado em favor de uma melhor fluidez e da coerência dentro de uma linguagem cinematográfica.
Por isso, diretores e roteiristas de diferentes épocas buscaram cada um a sua maneira tentar preservar aspectos que consideravam mais atraentes na trama criada por  Bram Stoker.
O primeiro filme baseado em Drácula é uma releitura da obra original de Stoker que, embora não autorizada, se apropria somente de alguns de seus principais elementos, principalmente, os que integram sua primeira parte. Segundo o crítico cinematográfico David Skal em Nosferatu: uma sinfonia de horrores (1921), realizado pelo cineasta alemão F. W. Murnau pode ser encontrado o vampiro que mais se aproxima do mítico personagem criado por Bram Stoker.  Este filme que se tornou um clássico do expressionismo alemão é reconhecido até a época atual por ter estabelecido as características que definem o gênero do horror cinematográfico. Nele, destaca-se a figura repulsiva do vampiro, que devido à recusa da viúva de Stoker em ceder os direitos autorais, é chamado de Conde Orlok em vez de Drácula e cuja dantesca aparência mistura vários tipos de animais predadores e aparece associado a transmissão da Peste Negra, doença infecciosa que matou milhões de pessoas na Europa durante a Idade Média. Assim como a criação de Stoker, Orlock habita um castelo em ruínas e após negociar a compra de a antiga propriedade (a ação é transposta de Londres para a cidade alemã de Wismar) mantém o jovem Jonathan como seu prisioneiro. Também da mesma forma que Drácula, o vampiro assim que chega à cidade começa espalhar a morte entre seus habitantes.   
Apesar de trazer as marcas do tempo, o filme de Murnau ainda impressiona por sua sofisticação técnica, embora obtida por meio de recursos que se revelam bastante simples. Dentre suas imagens, destacam-se a assustadora floresta de árvores espectrais que balançam em torno do castelo enquanto o assustado Jonathan Harker se aproxima dele e também o momento em que Orlock aparece pela primeira vez com seu rosto horrendo e contribui para torna-lo um dos monstros mais assustadores do cinema. Além dela, também preservam o impacto visual as cenas em que o vampiro é mostrado se movendo em uma velocidade frenética, ou por meio de planos ligeiramente enviesados que produzem uma constante sensação de ameaça e de terror. Também é importante enfatizar o momento, um dos mais assustadores do cinema de horror, no qual somente é mostrada a imensa e disforme sombra de Orlock  que se alastra pelas paredes que lentamente se aproxima de sua vítima. Uma cena tão poderosa em seu aspecto imagético que se tornaria iconográfica e, posteriormente seria revista no filme de Francis Ford Coppola nos anos noventa. 

Nosferatu: o primeiro Drácula do cinema  

Drácula ressurgiria no início dos anos trinta, encarnado no ator húngaro Bela Lugosi que, depois do lançamento dessa versão cinematográfica, teria sua imagem para sempre associada a do vampiro – uma associação que durou até sua morte em decorrência de seu vício em heroína. O filme em sua época foi um grande sucesso de bilheteria e também estabeleceu as bases do horror gótico nos Estados Unidos proporcionando o início de um ciclo de filmes desse gênero que também é constituído por outras adaptações de clássicos da literatura, tais como Frankenstein e O Médico e o Monstro.
Um dos motivos do sucesso do filme é a presença marcante de Lugosi como Drácula que, apesar de não ser um galã tinha um forte sotaque estrangeiro e conseguiu criar um clima de mistério e sedução em torno do personagem, capaz de provocar no espectador um misto de atração e repulsa, que mesmo na época atual permanece com um importante componente para manter a figura do vampiro viva no cinema.

       Bela Lugosi, um dos mais famosos Dráculas da história do cinema.

No entanto, apesar do talento do diretor norte-americano Tod Browning para explorar o ambiente sinistro e decadente do imenso cenário do castelo de Drácula que pode ser admirado por sua horrível beleza e no qual  predomina o jogo de luz e sombra que remete ao cinema expressionista, Drácula é um filme com pouca ação e, em determinados momentos, os diálogos entre os personagens são canhestros e muitas cenas de forte impacto da obra original são deixadas de fora, sem que o espectador tenha acesso a elas. Também houve a redução (e muito) da conotação erótica de algumas cenas do romance, embora, uma versão do mesmo filme falada em espanhol e voltada para o público latino tenha preservado uma grande carga de sensualidade, nas cenas em que Drácula seduz suas vitimas e, até mesmo no figurino ousado da mocinha que não é Mina e, sim sua melhor amiga, Lucy, interpretada pela bela atriz mexicana Lupita Tovar.


Versão espanhola de Drácula

Assim, passagens importantes do romance de Stoker, destacando-se aquela em que Drácula é aparentemente morto por seus inimigos não aparecem no filme e somente sugeridas por meio das falas de Abrahan Van Helsing, um personagem que tem sua participação reduzida somente aparece em momentos cruciais enfatizando a necessidade de combater e, principalmente, exterminar o vampiro.
Estas falhas que reduzem um pouco sua importância de Drácula no cinema de horror se justificam pela origem de seu roteiro e por seu complicado processo de produção. O filme é uma adaptação de uma peça teatral parcialmente baseada no romance de Stoker, que foi apresentada com grande sucesso em um teatro na Broadway e tinha Lugosi como protagonista. Drácula na época em que chegou aos cinemas sofreu problemas com código de censura que impunha à época um rígido controle sobre todas as produções cinematográficas realizadas nos Estados Unidos e que visava abolir qualquer tipo de conteúdo que julgasse ser obsceno ou que pudesse agredir a moral e os bons costumes da família americana.
Mesmo tendo problemas no ritmo e na direção de algumas cenas, essa versão de Drácula realizada nos anos trinta na época atual mantém o status de clássico do horror gótico, embora grande parte desse mérito seja atribuído a caracterização inesquecível de Bela Lugosi, que contribui de forma significativa para transformar o vampiro em um mito também na arte cinematográfica.  
O mítico personagem criado por Stoker somente reapareceria quase trinta anos depois em um filme que, de acordo com grande parte dos críticos de cinema, é aquele que soube aproveitar melhor os elementos do romance e também possibilitou que o cinema de horror ganhasse fôlego e voltasse em grande estilo: Drácula: o vampiro da noite (1957).  


                 Christopher Lee considerado o melhor Drácula  do cinema

Realizado pela produtora inglesa Hammer, que posteriormente, viria a se tornar uma verdadeira fábrica de monstros e, também ressuscitou Frankenstein e O Médico e o Monstro, esta produção apesar de seu baixo orçamento tem sua importância reconhecida pelo modo como retoma a atmosfera gótica da trama Stoker e, principalmente, por ter dado uma nova configuração ao gênero do horror que a partir deste filme mostra cenas explícitas de  violência, nas quais aparecem fartas doses de sangue, que se destaca por sua intensa coloração vermelha.
Interpretado com eficiência e carisma pelo ator inglês Christopher Lee, Drácula aparece como um homem taciturno que se comunica com poucas palavras, mas que em um determinado momento revela ser um vampiro em uma cena emblemática que, posteriormente também se tornaria iconográfica na filmografia do horror, na qual ele aparece com os olhos inflamados de sangue, e, por sugerir contaminação é capaz de criar um efeito assustador. Este Drácula também investe na sensualidade, uma vez que o vampiro é capaz de exercer sobre suas vítimas, todas elas do sexo feminino, uma espécie de transe hipnótico quando olham diretamente para ele. Nas cenas em que Drácula as ataca, o momento da mordida é somente sugerido, por meio de imagens de janelas fechadas, o que evoca intimidade e fornece ao filme uma forte conotação sexual. O Drácula de Lee assim como tinha sido o de Lugosi é uma espécie de versão pervertida de Dom Juan que consegue conquistar as mulheres e, assim desperta o ódio nos homens. Contudo, Lee por meio de sua composição, em que se destacam os gestos e olhares maliciosos, consegue tornar Drácula mais misterioso, sinistro e, por isso, mais ameaçador. Também neste filme o aspecto sensual do livro de Stoker é enfatizado por meio da presença de mulheres recatadas que após serem mordidas pelo vampiro se tornam agressivamente sensuais - essa mudança radical é representada pela mudança de figurino, uma vez que elas aparecem com roupas que acentuam os seios por meio de generosos decotes-, e a partir de então elas passam a ameaçar transformar seus parceiros em vampiros, realçando assim o forte apelo erótico do filme, que à época fez com este se tornasse um sucesso entre o público jovem.
Também é importante enfatizar que nesta versão enquanto Drácula assume sua faceta mais sensual e agressiva, seu adversário o Dr. Van Helsing é totalmente o oposto. Ou seja, ele é frio, isento de emoções e puramente racional. Interpretado por Peter Cushing com certa dose de humor britânico o inimigo do Conde Vampiro age à maneira de Sherlock Holmes e procura justificar por meio de explicações científicas os eventos sobrenaturais, inclusive a suposta transformação de Drácula em morcego.
No filme, Van Helsing inicia uma perseguição implacável ao vampiro que tem objetivo destruí-lo, motivado principalmente, pelos atos transgressivos de Drácula, destacando-se dentre eles, a sedução de mulheres casadas, que ameaçam a continuidade do comportamento de acordo com as regras impostas pela sociedade britânica. Dessa forma, esta produção reflete bem o período, no qual Drácula representa a liberdade sexual enquanto seu inimigo, Van Helsing remete ao conservadorismo e a manutenção do casamento, ou seja, duas pulsões que entram em choque e disputam o controle sobre o indivíduo, o qual oscila entre satisfazer sua vontade, ou então submeter-se as regras sociais e morais.
O filme preserva um pouco a parte final do romance de Stoker reproduzindo a cena em que Drácula perseguido por seus inimigos busca refúgio em seu castelo. Contudo, ao chegar lá, o vampiro é destruído pela ação da luz do sol, - elemento esse que tem sua origem na transposição do texto de Stoker para o teatro, o que posteriormente viria a tornar-se um clichê em filmes sobre vampiros.
Apesar de tomar muitas liberdades que o distanciam do texto original, essa produção e dirigida com habilidade e estilo por Terence Fisher e também contribui de forma significativa para dar uma nova imagem a Drácula e também preservar o interesse pelo romance de Stoker.
Após um período de sumiço nas telas de cinema, durante os anos noventa, Drácula ressurgiria em nova roupagem em filme que procurou criar uma aproximação maior com o romance que lhe deu origem e também buscou renovar o antigo e desgastado mito do vampiro. Esta produção cinematográfica até mesmo no título procurou destacar sua fidelidade à obra original: Drácula de Bram Stoker.

                          

Contudo, essa versão também não é totalmente fiel ao romance e insere novos elementos a sua trama, destacando-se dentre eles, um prólogo, no qual procura estabelecer um vínculo com o verdadeiro Drácula, o príncipe romeno Vlad Tepes e um desfecho diferente, que provocou polêmica na época de seu lançamento. No filme, Drácula é descrito como uma espécie de herói trágico cujas características, principalmente, a rebeldia, remete aos personagens que aparecem nos dramas byronianos e seu aspecto rebelde também o associa a um mito romântico: Fausto. Logo no início, Drácula que é descrito como um nobre que tenta impedir o avanço de um exército de mulçumanos, toma conhecimento que Elizabeta, sua esposa cometeu suicídio, por acreditar que ele tinha sido morto em uma emboscada. Diante disso, Drácula parte para o castelo, onde fica sabendo que sua mulher por ter cometido suicídio condenou a alma dela ao Inferno. Revoltado, Drácula rompe com Deus e faz um pacto diabólico com as forças do Mal. É partir desse evento transgressivo que ele se transforma um vampiro – que até então não tinha explicado em nenhuma outra versão de Drácula para o cinema.  e para sobreviver necessita consumir sangue humano. A partir daí, a trama retoma o início descrito no romance.
O filme também procura se aproximar da obra original por meio de cenas em que os personagens falam por meio de uma narração em off e escrevem suas ações em diários. A passagem do livro que descreve a chegada de Jonathan Harker ao castelo de Drácula é fielmente reproduzida no filme até mesmo em sua contínua atmosfera de terror. A aparição de Drácula é outro ponto alto desta versão: o vampiro aparece como um velho decrépito, vestido em uma roupa em um intenso tom de vermelho-sangue, cuja longa cabeleira branca e as unhas afiadas contribuem para lhe dar uma aparência andrógena e assustadora. 


 Drácula como um velho repulsivo

Além disso, pela primeira vez é reproduzida na íntegra e sem cortes, a cena em que Jonathan Harker é seduzido pelas misteriosas vampiras  que habitam o castelo de Drácula.  Nela, ressalta-se o ambiente decadente, o uso de tons monocromáticos de azul e, novamente, o vermelho escarlate - que faz lembrar a estética dos filmes de terror dirigidos pelo maestro Mário Bava, e, principalmente a presença de belas mulheres que remetem a arquétipos da sensualidade feminina, tais como a sereia, a odalisca e a Medusa, que simbolicamente representam à sensualidade feminina latente e até mesmo perigosa, devido ao seu aspecto destrutivo. Assim, este filme dirigido por Francis Ford Coppola consegue reproduzir com grande fidelidade uma das passagens mais importantes e sensuais da obra original de Stoker que até então não tinha sido criada de forma integral em nenhum outro filme baseado em Drácula. Do mesmo modo que no romance, essa termina com a entrada repentina de Drácula no quarto que quando vê Jonathan sobre o domínio de suas noivas e o reinvidica para si por meio da clássica fala do livro: “- este homem me pertence”, além de dar a elas um prêmio de consolação - o saco contendo um bebê-, capaz de provocar uma genuína sensação de horror.


O beijo "meigo" da vampiras

Drácula de Bram Stoker também retoma a repressão sexual sugerida no romance de Stoker. É muito interessante a cena que faz uma referencia ao Kama Sutra, o mais antigo manual de práticas sexuais para demonstrar a sensualidade aflorada de Lucy, que atrairá Drácula como um imã. Dessa forma, de modo semelhante a obra de Stoker, o filme promove a combinação entre o ato sexual e a contaminação, que remete diretamente a epidemia da Aids que se alastrou na mesma época em que este foi lançado nos cinemas.  
Em, Drácula de Bram Stoker a referência a esta doença epidêmica que matou milhares de pessoas nos anos noventa, pode ser encontrada de forma simbólica no doloroso processo da transformação de Lucy em uma criatura vampírica, no qual são enfatizadas sua dificuldade de respirar e a gradativa degeneração de seu corpo. Pela primeira vez em uma versão de Drácula para o cinema, os sintomas dessa personagem que culminam em sua metamorfose são descritos da mesma maneira que na obra original. Além disso, no filme de Coppola também merece destaca a passagem em que Lucy é executada por seu noivo no interior da câmara mortuária que também é reproduzida com grande fidelidade.


Lucy transformada em vampira

Contudo, apesar de reproduzir pela primeira vez e na íntegra os principais trechos do romance de Stoker, o filme de Coppola, assim como as versões anteriores, ousou ao criar um relacionamento amoroso entre Drácula e Mina, que não é um elemento novo e tinha sido amplamente explorado em outra versão do romance de Stoker feita para televisão, que foi lançada em 1973 e também foi retomado em outro filme sobre o vampiro da Transilvânia produzido em 1979. Vale ressaltar que nessa produção dirigida por Coppola é o desejo intenso de Drácula de rever sua amada, que constitui a sua motivação para sair de seu exílio no castelo e ir para Londres visando encontrá-la. Ele terá sucesso nesta busca, uma vez que reconheceu a reencarnação falecida esposa Elizabeta em Mina, a noiva de Jonathan Harker.
Assim, em Drácula de Bram Stoker é ressaltado, talvez, de modo um pouco excessivo, o aspecto romântico do personagem central, Drácula que apesar de agir de modo semelhante aquele descrito no romance, também se faz passar por um misto de dândi e príncipe encantado que faz tudo para conquistar o amor do “duplo” de sua amada.

Dácula e Mina

É importante salientar que a atração entre Drácula e Mina surge durante um encontro inesperado em um cinematógrafo – equipamento percursor do projetor de cinema, no qual são exibidos filmes eróticos, reforçando a associação entre o vampirismo e o desejo reprimido, frustrado pelas convenções sociais. Além disso, o Drácula do filme de Coppola também remete a importantes personagens da literatura gótica do final do século XIX, tais como Dorian Gray e o Dr. Jekyll, que possuem uma personalidade conflitada dividida entre o Bem (representada no longa pelo amor verdadeiro que ele nutre por Mina) e o Mal (sua transformação  em um vampiro que suga o sangue de suas vítimas). Também dentre os heróis da literatura romântica, Drácula se assemelha a Heathcliff, o protagonista de O Morro dos Ventos Uivantes, uma vez que ressurge do passado para reinvidicar o amor de sua amada que está reencarnada no corpo de Mina. Ou seja, no filme, Drácula é motivado por um sentimento tão forte e sublime em sua natureza que é capaz de desafiar os limites entre a vida e a morte, assim como as rígidas convenções sociais da sociedade vitoriana. Por último e não menos importante para a trama, o filme também promove a ligação de Drácula com outro personagem mítico e que era admirado pelos autores românticos: Satã, de Paraíso perdido. No filme de Coppola, durante a emblemática cena em que Drácula enfrenta seu inimigo, Dr. Helsing, o vampiro assume a aparência de um ser diabólica, na qual destacam as asas de morcego e a horrenda face, remetendo assim a imagem iconográfica do adversário de Deus.

Drácula como um ser demoníaco

Apesar de reproduzir com fidelidade o trecho em que Drácula é perseguido pelos inimigos até seu castelo na Transilvânia, essa versão cinematográfica tem seu epílogo com uma cena cartática, na qual o Conde Vampiro é redimido de seus pecados e atos cruéis por meio do amor de Mina, que novamente evoca uma passagem de Fausto, de Goethe, na qual o personagem principal é salvo pelo forte sentimento que sua amada Margarida nutre por ele.
Dessa forma, novamente, no filme de Coppola se sobressai o aspecto romântico, que destoa do final original descrito por Stoker, o qual sugere a possibilidade de que os eventos sobrenaturais descritos pelos personagens e que comprovariam a existência de Drácula e de outros vampiros podem ter sido apenas alucinações produzidas pela imaginação deles.
Apesar da trama de Stoker ter sido várias vezes adaptada para o cinema teatro e outras formas de expressão artística, dentre elas, a Hq e, até mesmo  ballet, esta não foi reproduzida conforme está descrita no romance de Stoker. Talvez, isso aconteça devido a sua estrutura narrativa fragmentada e intricada, na qual Drácula aparece até pouco e mantém como um personagem misterioso mesmo após seu desfecho.
Mas, isso não impediu que fosse criado um novo mito: o vampiro cinematográfico que em diferentes épocas ressurge das sombras em novas e ousadas configurações, que de alguma forma procuram estabelecer algum tipo de aproximação com o Conde Drácula, a imortal criação de Bram Stoker, que após tanto tempo de seu surgimento continua exercendo seu grande poder de fascínio entre espectadores de cinema e leitores de diferentes gerações.  








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