quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Resenha: Misery -Louca obsessão, de Stephen King (livro)



Se tivesse que resumir este livro de Stephen King em uma palavra esta seria assustador. Apesar de não haver fantasmas, criaturas e eventos sobrenaturais, seres vindos de outro planeta ou de outra dimensão, Misery (que no Brasil ganhou o subtítulo de Louca obsessão devido ao filme de mesmo nome) é até o momento a obra de King que me deixou mais apreensivo e até mesmo angustiado e bastante tenso em muitos momentos. Acredito que tais sensações foram causadas em mim, porque a situação pela qual passa o personagem central poderia acontecer no mundo  real. 

               
                                              Stephen King


Misery tem a mesma premissa que O Colecionador, de John Fowles,  um romance que eu não li (minha referência dele é sua adaptação para o cinema), na qual uma pessoa é mantida prisioneira por outra em um lugar ermo e afastado da cidade. No entanto, Misery não me parece ser uma imitação do livro de Fowles. Embora, King tome emprestado o mote criado pelo autor inglês, ele o desenvolve de maneria diferente, visando tratar de um tema que aparece em suas principais obras: o bloqueio criativo que se torna uma causa de horror e até mesmo conduz o personagem central ao desespero e a insanidade, que remete ao título do livro (misery, palavra usada para se referir a alguém que passando por um intenso sofrimento)
A história se inicia quando o protagonista, um escritor de sucesso chamado Paul Sheldon ( este sobrenome não é familiar?) acorda um lugar que não conhece na companhia de uma mulher que diz ser sua fã número um. Aparentemente, Annie Wilkes é bastante atenciosa e sendo enfermeira de formação abriga e auxilia Paul em sua casa, localizada uma região montanhosa, depois que ele sofre um acidente. Contudo, desde o primeiro momento em que vê Annie, ele sente uma estranha sensação de terror que é transmita ao leitor por meio da forma como King a descreve, denotando que existe algo de muito errado com ela. Apesar de não ser descrita como uma criatura monstruosa, Annie é vista por Paul (e pelo leitor) como um ser ameaçador e até mesmo repulsivo, que lhe provoca uma contínua sensação de desconforto.

Annie Wilkes: a fã número um de Paul

A impressão negativa de Paul sobre essa mulher aumenta quando ele ingenuamente confessa a ela o destino da protagonista de uma série de romances considerados comerciais e apelativos, que são venerados e considerados verdadeiras preciosidades na perspectiva de Annie. Ao saber disso, ela começa a demonstrar sinais de descontrole emocional e exige que Paul refaça seu novo livro mediante chantagem e ameaça. Intimidado por Annie, ele tenta escrever e aí começa seu suplício, uma vez sua mente está em branco e isso se torna um grande problema para ele.

     A dedicada Annie cuidando de Paul com carinho: até quando?


A partir daí é melhor não revelar mais nada do que acontece com Paul e sua fã incondicional, Annie Wilkies.  Somente posso dizer que ela é uma das piores vilãs na galeria de personagens sinistros saídos da imaginação de King e, por isso, uma de suas melhores criações. Mesmo tendo visto a adaptação de Misery para o cinema - que deu a Kathy Bates, um merecido Oscar na categoria de melhor atriz, fiquei surpreso positivamente com seu texto original.Embora, o filme seja muito bom, um dos melhores no gênero terror/suspense, o romance que deu origem a este é bem mais apavorante e tem momentos de horror que são capazes de gelar o sangue. 
Além de ser um livro  capaz de assustar e prender a atenção do leitor todo o tempo, Misery assim como O Iluminado também chama atenção por suas várias referências a literatura - mais uma vez, King em sua escrita presta homenagem a Edgar Allan Poe, a cultura pop em geral e, principalmente, por seu aspecto metalinguístico.
Em Misery, King também propõe uma  discussão sobre as dificuldades enfrentadas durante o processo de criação de um texto literário, no qual o chamado "branco" é causa de constante pavor para quem se dedica à escrita literária. Além disso, Annie Wilkes incorpora dois lados contraditórios do leitor: o senso crítico apurado e a admiração exagerada por seu autor favorito.
No romance, King também aproveita para dar alfinetadas nos críticos literários que só valorizam a chamada "alta literatura" e no mercado editoral que obriga os autores a produzirem livros como se fossem máquinas de escrever automáticas. Além disso, King defende a ideia que é justamente nos momentos de aperto que são criadas as melhores obras. Para autor é necessário que haja tensão e até mesmo uma certa carga de stress sobre o autor para ele possa produzir um texto de qualidade. 
Bastante envolvente, com uma narrativa bem elaborada formada por duas tramas  que acontecem  simultaneamente e com uma vilã capaz de provocar pesadelos, Misery é um livro que consegue assustar e também propõe questionamentos acerca do exaustivo e, até mesmo frustrante processo de criação literária.
Misery é uma das obras-primas de Stephen King, uma vez que o autor conseguiu criar um livro sem "gorduras" e que se lê com prazer e até mesmo com uma certa dose apreensão. Trata-se de um romance gótico moderno e inventivo, em que o horror surge a partir de uma situação que poderia acontecer com qualquer autor, até mesmo com King que apesar de ser um mestre do sobrenatural, tem conhecimento que o mundo real esconde acontecimentos mais assustadores do que aqueles que são descritos em livros de ficção.
cotação: ***** (excelente)


OBS.: Após ficar mais de vinte anos fora do catálogo, o livro de King foi relançado em uma edição decente no selo Suma de Letras, da editora Objetiva. Esta edição tem capa cartonada e acredito que a tradução não tenha muitos erros, embora tenha encontrado pequenos erros na ortografia (faltas ou junção de palavras), mas isso não atrapalhou a minha leitura.




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