quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Resenha: O solar das almas perdidas (dvd)


Na década quarenta, os filmes de terror investiram mais no que era sugerido, naquilo que não era mostrado. Esta perspectiva se aplica a "The Uninvited' (1944), que no Brasil foi chamado de O solar das almas perdidas, que para o cineasta Martin Scorsese é um dos filmes mais assustadores da história do cinema. Após ver "O solar..", acho que a avaliação de Scorsese sobre ele é pouco exagerada, embora, o filme tenha suas qualidades. 
Dirigido pelo diretor inglês Lewis Allen, hoje pouco lembrado, o longa começa com um belo plano sequencia focalizando uma antiga casa localizada em um precipício cercado pelo ondas do mar. Este cenário sublime chama a atenção de um casal de irmãos Tim e Pamella (Ray Milland e Ruth Hussey). Imediatamente, assim como nas narrativas góticas tradicionais, o lugar apesar de abandonado exerce um imediato poder de atração sobre Pamella e Tim. Quando os irmãos visitam o lugar pela primeira vez, os irmão percebem que um dos seus cômodos, o qual era usado como estúdio de pintura provoca em Tim uma sensação de profunda tristeza, que denota que algo estranho está acontecendo no seu interior. Mas, mesmo assim, os irmãos resolvem comprar a casa, que é vendida a um valor muito abaixo de mercado. Posteriormente, Pamella e Tim quando estão na antiga casa começam a ouvir gemidos durante à noite e parecem enxergar nas sombras o que parece ser uma aparição fantasmagórica.  
É a partir da instauração dos elementos sobrenaturais que "O solar.." desenvolve um tema que se tornaria recorrente nos filmes de terror: a casa mal assombrada e se destacaria em produções posteriores no gênero, tais como "Desafio do Além" e a "A casa da noite eterna". No entanto, apesar de se destacarem no filme as cenas em que uma aparição fantasmagórica aparece ou é sugerida por meio de estranhos eventos - o frio intenso sentido inesperadamente no interior da casa, as flores que murcham sem explicação, na época atual parecem não serem mais capazes de provocar medo. Por outro lado, isso também não torna o filme risível como ocorre com outros produzidos à mesma época. Contribui muito para isso a maneira como elas foram realizadas apoiando-se em uma bela fotografia em preto e branco que evoca os filmes noir  e em efeitos especiais discretos, mas usados de forma eficiente. Assim, o que torna esse filme bem acima da média de outras produções realizadas nesse período dentro do gênero terror, é a construção de uma contínua atmosfera de mistério, envolvendo um sinistro segredo de família, envolvendo uma garota  chamada Stella (a beldade Gail Russel) que quando bebê morava na antiga mansão com seus pais que morreram de forma misteriosa.
Visto hoje, "O solar..." tem  seu principal atrativo na resolução desse evento misterioso e dramático do em sua abordagem da temática sobrenatural. Destacam-se algumas cenas de tensão e suspense em que uma misteriosa força sobrenatural impulsiona Estella na direção do precipício, colocando sua vida em constante risco e somente em sua parte final esse estranho evento será explicado de forma surpreendente, de modo a provocar uma engenhosa reviravolta em sua trama. "O solar..." resulta em um filme ousado para sua época, principalmente, pela maneira como descreve algumas personagens femininas como mulheres fortes e até mesmo agressivas e na sugestão de uma relação amorosa homossexual entre duas delas, um elemento até então pouco abordado nos filmes hollywoodianos. 
Apesar do filme ter um final ingênio, este se mantém como um clássico do terror gótico à moda antiga devido a sua exploração da temática sobrenatural que aparece incorporada em trama cheia de mistérios que prende a atenção do espectador até seu desfecho. Vale a pena ser descoberto pelos apreciadores de filmes do chamado terror sugestivo, ou atmosférico, em que o que está escondido é mais interessante do que é mostrado e, alguns momentos aguça nossa percepção sobre o que está escondido e sugerido nas entrelinhas.
O dvd da Versátil tem boa qualidade de som e imagem. Como extras tem um mini-documentário que descreve os bastidores da produção e conta um pouco sobre as carreiras de Ray Milland e bela e talentosa Gail Russel - que infelizmente morreu em circunstancias misteriosas e trágicas, apenas trinta e seis anos, além de comentar sobre o primeiro caso documentado de uma suposta manifestação de fantasmas nos Estados Unidos durante o século XIX.
Também tem análise do filme sobre a perspectiva do espiritualismo (15 min.), que para mim me parece ter sido realizado de forma um pouco amadora. Apesar de ser interessante, ele não acrescentou nada em meu entendimento sobre os eventos sobrenaturais que ocorrem na trama de "O solar"... um filme muito interessante e envolvente.
filme e extras: **** (muito bom)


                                                                 

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