sábado, 20 de setembro de 2014

Resenha: O Colecionador (livro), de John Fowles

 Eu conhecia O Colecionador, por meio de sua adaptação cinematográfica realizada pelo diretor norte-americano William Wyler, em 1965. Tinha visto o filme considerado um clássico e achado muito bom e na época atual pode ser considerado uma obra-prima do cinema (em breve, vou comentá-lo aqui). O interesse em ler o romance que deu origem a ele escrito por John Fowles surgiu a partir de uma citação de um de seus trechos que abre um dos capítulos de Misery: louca obsessão, de Stephen King: 
“Escrever é uma droga. É a única coisa pela qual eu anseio. Hoje à tarde eu li o que escrevi... e pareceu vívido. Eu sei que parece vívido porque minha imaginação preenche as partes que uma pessoa não entenderia. Quer dizer, é vaidade. Mas parece magia... E eu simplesmente não posso viver neste presente. Eu enlouqueceria se o fizesse”
Este fragmento exprime um dos pensamentos de Miranda, a personagem do romance de Folwles que para mim é das mais interessantes da literatura inglesa do século XX. Fowles faz dela uma espécie de alter-ego, que exprime sua visão crítica sobre variados assuntos. É Miranda que exprime as ideias do próprio autor sobre a criação artística, principalmente, no que se refere a a necessidade de se criar algo original que possa expressar a  beleza da arte, as mudanças radicais que se passavam na década de sessenta – a liberação sexual, a ameaça de bomba atômica, o ativismo político e, principalmente, sobre o conflito de classes sociais na Inglaterra.
O romance tem um ponto de partida bem simples, que foi retomado por King em Louca Obsessão, embora, o autor norte-americano tenha propositalmente invertido os papéis de vítima e algoz. Além disso, King explora o tema da criação literária de forma bem mais ampla que Folwes, que é bem mais sutil em seu livro. A trama de O Colecionador começa quando Frederick Clegg, um tímido funcionário público, em lance de sorte (ou azar, dependendo de que perspectiva se vê esse evento) ganha uma fortuna na loteria esportiva. Ele é apaixonado por Miranda, uma bela e jovem estudante de Artes que nem sabe que ele existe. Sua obsessão por ela é tão grande, que Frederick compra um antigo casarão afastado da cidade e decide manter a moça sua prisioneira neste local até que ela se apaixone por ele. É a partir dessa situação – um elemento recorrente nos principais romances góticos de Ann Radcliffe, que Folwes desenvolve a narrativa.
É justamente a forma de narração empregada pelo autor que consiste em um dos grandes méritos do romance como expressão literária. Este é dividido em capítulos e assim temos os fatos narrados a partir de diferentes pontos de vista. Dessa forma, o autor constrói um texto permeado de várias tensões, no qual é construída uma continua atmosfera de terror/suspense e os eventos são gradativamente revelados a partir do olhar tanto de Frederic como de Miranda.
Vale ressaltar que Folwes inverte até mesmo o comportamento de seus personagens centrais. Apesar de Frederic ser o sequestrador, ele é descrito um ser humano incompleto – Miranda o apelida de Calibã, a criatura monstruosa e submissa de A tempestade, com muitas lacunas no que se refere a reações emoções, e comportamento que reflete o mau gosto da classe suburbana. Por outro lado, Miranda a vítima que é mantida sequestrada ao poucos revela ter uma personalidade forte e determinada. Mesmo estando em uma situação de desvantagem, ela não se “dobra” diante de Frederic e procura demonstrar sua superioridade intelectual e humilhar seu sequestrador.
Este conflito entre duas pessoas com personalidades tão diferentes é expresso por meio de diálogos, nos quais a Miranda fala como uma metralhadora, "disparando" para todo os lados. Dessa forma, Folwes faz uso dos artifícios da literatura gótica, para propor em seu romance uma interessante discussão sobre o que vem a ser a verdade arte e também expor as preocupações e temores que amedrontavam a sociedade britânica. Assim, Frederic representa o que é antiquada, de mau gosto e conservador enquanto Miranda remete aquilo que é ousado, inovador e até mesmo provocativo do ponto de vista artístico.
Na visão distorcida de Frederic a mulher que mantém prisioneira é como se fosse uma linda borboleta que faz parte de sua coleção. Contudo, Miranda em vários momentos procura demonstrar que não é um ser idealizado; ela é uma mulher que exprime seus desejos e também suas angústias e frustrações e tenta sobreviver dentro do ambiente perverso em que se encontra, no qual é somente tratada por Frederic como um objeto de desejo. 
“Você quer a beleza para matá-la” – diz Miranda em um momento de desespero ao seu captor. Essa frase de efeito, assim como outras ficam na cabeça após o término surpreendente de O Colecionador. Um livro intrigante, que pode ser classificado como neo gótico e destaca-se pelo modo como o autor por meio dele consegue exprimir conceitos de arte, política e cultura, que remetem a uma época em constante processo de transformação.

 Cotação: ***** (excelente)

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