sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sob a Redoma e Novembro de 63, de Stephen King: espelhos distorcidos da América

Stephen King suscita polêmicas. Grande parte dos críticos literários o rotulam como autor "best-seller" ou, livros de terror/ horror, como se ele somente escrevesse obras desse gênero. Por muito tempo, King foi considerado um autor menor. Na época atual, felizmente, sua obra tem sido reavaliada. O autor aos poucos ganha reconhecimento como um dos melhores da literatura fantástica e também da literatura norte-americana. Dentro do gênero, a imaginação fértil de King parece não ter limites. Ele é capaz de criar e dar verossimilhança a situações extraordinárias que, apesar de serem impossíveis no mundo real se tornam "realidade" no enredo de seus contos e romances. Também nota-se que o autor dentro do batido e mal tratado gênero do horror também contribuiu com inovações. Em suas melhores obras, tais  como, O Iluminado, os maiores horrores têm origens mais associadas aos demônios interiores da mente humana do que manifestações sobrenaturais, de modo a firmar-se como herdeiro do estilo de escrita de outro grande mestre do fantástico: Edgar Allan Poe, autor com o qual King mantém uma relação de proximidade. Além disso, também pelo viés do fantástico, King dialoga com assuntos da contemporaneidade e de épocas passadas que estão inseridos no cerne da cultura norte-americana, propondo uma reflexão sobre eles, de forma muito mais marcante que autores da chamada "alta literatura" fizeram em seus livros. Dois dos recentes romances de King demonstram isso.
O primeiro deles, Sob a Redoma, de 2008 tem uma premissa bastante instigante: de repente, Chester's Mill, uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos é envolvida dentro de um misterioso campo de força que é chamado de "redoma", aprisionando todos os seus habitantes. A partir daí, King explora um de seus temas favoritos: a gradativa instauração do terror. Contudo, o terror é descrito de forma convincente e até mesmo com contornos realistas. Acuados e isolados do mundo, os moradores de Chester's Mill sentindo-se ameaçados e começam a agir de forma violenta. Alguns deles, aproveitando-se dessa situação para tirar vantagem. Big Jim Rennie, um dos vereadores, vê nisso uma oportunidade de assumir totalmente o domínio da cidade. Dessa forma, King em seu romance, nas "entrelinhas" dialoga com o mundo real. Nota-se pela descrição de Rennie, como político hipócrita e ambicioso alguns paralelos com o ex-presidente George W. Bush, que também fez uso da criação de um atmosfera de medo, para atingir seus objetivos no campo da política, que culminou em sua reeleição como presidente. Dessa forma, o o viés fantástico reforça o aspecto metafórico de Sob a Redoma: Cherster's Mill  é a América que se sente ameaçada por forças alienígenas, - entende-se terrorista islâmicos, enquanto seus habitantes não se dão conta que o maior perigo que coloca sua existência em risco se encontra bem perto deles.
Apesar de King desenvolver bem a situação de terror que se instaura em Chester's Mill, Sob a Redoma deixa a desejar em alguns pontos. Assim como outros autores contemporâneos, tais como George M. Martin, de Guerra dos Tronos (seria essa uma tendência do mercado editoral atual?), King exagera nas descrições de cenas de violência, sendo algumas delas desnecessárias para o desenvolvimento da trama. Também não é adequada para um romance narrado em terceira pessoa, a ampla utilização que King faz de palavrões e expressões chulas, "empobrecendo" seu texto, como obra literária. Além disso, a conclusão envolvendo a origem da redoma também inserida no terreno do fantástico não convence plenamente, e, até mesmo pode parecer uma paródia de um motivo amplamente explorado pelo autor em seus romances anteriores. Contudo, mesmo neste aspecto paródico de Sob a Redoma é possível enxergar  críticas à sociedade americana. 
Mesmo com algumas falhas, o romance de King consegue prender a atenção do leitor e também propor uma reflexão sobre a América atual, principalmente, em alguns trechos em sua parte final, que evocam o evento trágico de Onze de Setembro, de forma muita mais assustadora do que este costuma aparecer em obra de cunho realista. 
Outro evento marcante, a morte do presidente Kennedy, que mudou os rumos da História dos Estados Unidos nos anos sessenta, também é revisto por King em outro romance: Novembro de 63. Neste, o protagonista Jake Epping, um homem comum se vê inesperadamente em uma situação extraordinária. Apesar de retomar um tema batido da literatura fantástica, a viagem no tempo, King consegue dar a ele uma nova configuração. O retorno a uma época passada, possibilita a Jake, um ex-alcólotra não somente assumir uma nova identidade: ele se torna uma outra pessoa e passa por um processo de descoberta e amadurecimento, o que insere no romance um motivo recorrente na esfera do fantástico: o duplo. Também chama a atenção que apesar de Novembro de 63, assim como Sob a Redoma se manter na esfera do extraordinário, suas descrições que abrangem os anos cinquenta e início dos sessenta nos Estados Unidos, dentro de aspecto culturais, são ricas em detalhes e bastante verossímeis.King também reproduz de forma convincente o contexto histórico e social desses períodos, enfatizando, a problemática da segregação racial. Além disso, nesta obra o autor também dialoga com o romance histórico, novamente de forma inusitada e surpreendente: um dos personagens principais de Novembro de 63 é Lee Oswald, assassino confesso do presidente Kennedy. 
Contudo, apesar dos aspectos realistas críveis do romance, o que predomina nele é o viés fantástico, Dessa forma, o autor propõe um interessante questionamento sobre o chamado "efeito borboleta" associando-o à morte de Kennedy. Assim, King cria uma espécie de fábula moral, enfatizando a ideia de que tudo que você faz no passado tem consequências positivas ou negativas no presente. Assim, o tempo, em Novembro de 63 também ganha contornos metafóricos na figura de um personagem conhecido como o "homem do cartão amarelo", que permanece misterioso até mesmo no desfecho da trama. Como não poderia deixar de faltar, o romance de King também tem momentos assustadores. Novamente, assim como em textos anteriores, King procura dar um tratamento mais realista ao horror, de modo a torná-lo mais perturbador. Assim, as cenas de horror em Novembro de 63 são criadas a partir de uma situação que, infelizmente, encontra ressonância na América atual, dominada pela atração pela violência e pelos surtos de loucura, provocados por sentimentos de inferioridade e rejeição.  
Conclui-se que, Stephen King é um observador crítico sobre os aspectos culturais de seu país. Basta somente descortinar o "véu fantástico" que  os envolve, para que a realidade da América seja revelada em toda sua extensão. Uma realidade que quando vista de perto é mais absurda e insólita que as obras mais fantasiosas de King.

Sob a Redoma: *** (bom)
Novembro de 63 : ***** (excelente)



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