sábado, 6 de julho de 2013

Genealogia sobre o mito dos vampiros

Quando falamos a palavra "vampiro",  geralmente, o que vem à cabeça é a imagem de um homem vestindo roupas pretas e com gel nos cabelos. Sempre envolvida em uma aura de mistério e sensualidade, a figura do vampiro, seja homem ou mulher, foi capaz de mexer com nossa imaginação. Mas, nem sempre foi assim. Houve um tempo, em que o vampiro era descrito como um ser repulsivo, parecido com um zumbi, que se alimentava somente de cadáveres humanos.
Apesar de existirem muitas criaturas monstruosas com características "vampíricas" - presas nos cantos da boca, ingestão de sangue na cultura de diversos países, foi no Leste europeu que surgiu e se popularizou a crença na existência nos vampiros como nós conhecemos. De acordo com ela, o vampiro era uma pessoa que tinha cometido suicídio e voltava a viver alimentando-se do sangue de outro ser vivo, que também se transformava em vampiro. É possível que a origem dela tenha sido um modo de justificar fenômenos aparentemente sobrenaturais: foram encontrados cadáveres que se destacavam por seu "aspecto saudável", demonstrado poucos sinais de putrefação e a presença do que parecia ser sangue nos cantos de suas bocas. Posteriormente, tais fenômenos  foram explicados pelo conhecimento científicos como reações químicas do corpo (o sangue nos cantos da bocas, na verdade, era suco gástrico do estômago, que era expelido pela boca) e as condições de temperatura que possibilitavam que o cadáver ficasse quase intacto, livre de bactérias que pudessem provocar graves sinais de sua degeneração. Contudo, nessa época a ameaçadora figura do vampiro já tinha sido incorporada no imaginário popular e também na imaginação de diversos autores. A primeira aparição do vampiro foi na literatura alemã, dentro do movimento literário, onde essa imaginação parecia não ter limites: o romantismo.
Assim, foram os autores românticos alemães que deram uma configuração ao vampiro, principalmente, em sua forma feminina, conforme demonstra o poema "A noiva de Corinto", de Goethe, o mesmo autor de um clássico romântico: "Fausto". Também nesta época, outro poema "Lenore", apesar de não tratar especificamente do tema do vampirismo descreve um ser sobrenatural, onde podem ser encontradas características que mais tarde irão aparecer no vampiro romântico: a aura de mistério em torno de si, que pode assumir contornos trágicos e o poder de seduzir e destruir suas vítimas. 
Apesar de sua primeira aparição em prosa no conto "O vampiro", escrito por John Polidori a mesma época de "Frankenstein", clássico da literatura gótica, as criaturas da noite encontram sua representação máxima em "Drácula", de Bram Stoker. Neste romance, podemos encontrar a criação de uma verdade "mitologia vampírica". Tudo que sabemos sobre como identificar, localizar, e, principalmente, matar um vampiro foi descrito por Stoker, que apesar de apoiar-se em crenças supersticiosas, também inventou muitos métodos, que são usados por Van Helsing e sua equipe para  destruir Drácula, impedindo-o de "vampirizar" toda  a população da Inglaterra.
No cinema, o mito do vampiro também será bastante explorado e aparece em várias configurações. Uma das mais marcantes é no filme "Nosferatu: uma sinfonia de horrores" (1927), considerado um clássico do cinema expressionista alemão e uma livre adaptação do romance de Stoker. Contudo, ao contrário da figura charmosa de outras criaturas da noite que aparecerão no cinema, o vampiro deste filme, chamado Conde Orlock é um ser monstruoso, repulsivo, uma criatura que somente é capaz de provocar o horror e espalha a morte por onde passa. Posteriormente, o próprio Drácula, o mais conhecido entre os vampiros, também fez sua aparição no cinema. No entanto, nas telas, ele ganhou um visual muito diferente daquele em que aparece na obra original de Stoker. Encarnado pelo ator húngaro Bela Lugosi (que nunca conseguiu se libertar do papel e foi enterrado vestindo o figurino do personagem que o tornou mundialmente conhecido), Drácula é uma espécie de Don Juan das trevas, que se contenta em seduzir mulheres e transformá-las em suas parceiras. É a partir dessa produção cinematográfica, modesta para os padrões da época, que o ato do vampirismo assume definitivamente uma conotação sexual e o vampiro fica associado a sedução e o mistério.
Apesar da figura marcante de Lugosi, "Drácula" tem sua imagem imortalizada na imagem do ator britânico Christopher Lee, mais conhecido como Sauron, da trilogia "Senhor dos Anéis". Até hoje, de acordo com os críticos cinematográficos, Lee é o que melhor expressa o  aspecto ameaçador do Conde Vampiro. Em "Drácula: o vampiro da noite",  ele consegue provocar horror pelo modo como aparece com olhos injetados de sangue, mas também se revela sedutor, por meio do fascínio que exerce sobre as mocinhas recatadas, que depois de mordidas, se transformam em lascivas vampiras sedentas pelo sangue de seus parceiros. Transgressivo, o "Drácula" de Lee se tornou uma espécie de símbolo de rebeldia contra a conservadora sociedade inglesa, que reprimia, principalmente, qualquer tipo de manifestação associada à sexualidade e por isso os filmes protagonizados por este "Drácula" fizeram sucesso entre os jovens, que lotavam os cinemas para vê-lo atacar e cravar seus dentes em suas vítimas.
Na década de setenta, o cineasta alemão Werner Herzog revistou outro clássico vampírico, "Nosferatu", de Murnau dando a ele uma nova configuração. Sob a perspectiva de Herzog, o Conde Orlock encarnado à perfeição por Klaus Kinski além de ser um monstro repulsivo, também exprime um dos maiores medos do ser humano: ser condenado a eterna solidão. Também neste filme, se destaca Lucy até então uma personagem codjuvante (Isabele Adjani), que apesar da aparente fragilidade, se torna uma heroína quando decide sacrificar sua própria vida para destruir Orlock.
A associação entre a solidão e o vampirismo, amplamente explorada em "Entrevista com o vampiro", no clássico vampírico de Anne Ricce, também apareceu de modo significativo no cult dos anos oitenta, "Fome de viver", onde as criaturas da noite são encarnadas por charmoso casal de serial killers  (Catherine Deveuve e o pop star David Bowie) que desafia o transcorrer do tempo e buscam suas vítimas no ambiente noturno, exterminando-as não com presas, mas com a utilização de uma adaga, em forma de ank, a representação da vida eterna no antigo Egito. Além de se alimentar de sangue, Mirian também suga gradativamente a juventude de seus amantes, que reduzidos a cadáveres ambulantes, são colocados em caixões.
Posteriormente, na década de noventa, "Drácula" ganha uma nova roupagem em um filme dirigido por Francis Ford Coppola. Arrebatadora no aspecto visual, esta versão cinematográfica intitulada "Drácula de Bram Stoker" reproduziu pela primeira vez algumas significativas e assustadoras sequencias do romance de Stoker, embora invista na relação  amorosa entre Drácula e Lucy, inexistente na obra original. Também no filme de Coppola é criada uma justificativa para a transformação do protagonista em vampiro, que remete ao romantismo. Assim, o "Drácula de Coppola" aparece como um herói romântico, que movido por um amor obsessivo e impossível é condenado a um destino trágico.
Somente cerca de vinte anos depois, o vampiro retomará com grande força e será inserido no ambiente cotidiano de forma convincente. Em "Deixe ela entrar", romance adaptado duas vezes para o cinema, a monstruosa criatura ganha as feições de Eli, um dos personagens mais misteriosos e interessantes da literatura vampírica atual. Aparentemente, uma criança frágil, Eli quando atacada pela sede de sangue  revela uma face terrível. Também em "Deixe ela entrar", os horrores ficcionais aparecem associados aos horrores reais. Devido ao bullyng que sofre na escola, Oscar recorre a ajuda de Eli para livrá-lo de seus colegas que agem como vilões cruéis, cujo maior prazer é agredi-lo e humilhá-lo. Dessa forma, Eli se torna uma espécie de duplo de Oscar, sua outra metade, que usa da violência como instrumento de defesa, embora isso implique em atos terríveis.
Apesar de ser muito antigo, e ter sido visto e revisto infinitas vezes, o mito do vampiro continua vivo e atual. Suas várias configurações são encontradas com facilidade em diversas manifestações culturais: literatura, cinema, quadrinhos, série de tv, etc. Talvez essa intemporalidade do vampiro encontre sua melhor explicação nas palavras de Nina Auerbach: "Os vampiros somos nós mesmos", embora não queiramos admitir e, assim damos nossa contribuição para sua imortalidade.

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