sexta-feira, 28 de junho de 2013

Crítica: Arashi Ga Oka (O Morro dos Ventos Uivantes - versão japonesa)

Eu sabia que "O Morro dos Ventos Uivantes" tinha sido adaptado muitas vezes para o cinema, incluindo um filme chamado "Escravos do Rancor", dirigido pelo mestre do surrealismo, Luiz Buñuel, mas fiquei surpreso quando soube desta versão para o cinema feita no Japão. Muito já se falou da dificuldade de adaptar o livro de Brontë para a linguagem cinematográfica devido a sua complexidade. Não satisfeito em abranger toda a sua estrutura narrativa, incluindo sua problemática segunda parte, que em outras versões cinematográficas é totalmente deixada de lado, o diretor Kiju Yoshida a transportou para a época medieval, incorporando nela tradições folclóricas japonesas associadas ao Xintoísmo.O resultado tinha tudo para dar errado, mas apesar da dificuldade em compreender alguns simbolismos e certos costumes nipônicos, o filme é bastante fiel ao universo gótico-romântico da autora. Esta produção chamada em tradução aproximada de "Montanhas tempestuosas" consegue ser mais "gótica" que outros filmes baseados no livro, recriando de modo bastante assustador a cena em que Onimaru (equivalente a Heathcliff) viola o caixão de Kinu (que corresponde à Katherine), cujo corpo aparece coberto por vermes, em meio a relâmpagos. Neste aspecto, também me impressionou sua ambientação, que cria uma atmosfera sobrenatural, por meio da recorrente imagem da entrada de uma casa, coberta por uma espessa névoa, onde sempre se ouve o barulho de um vento sibilante. Além disso, ocorrem muitas mortes em situações trágicas, o que faz com que esta versão de  "O Morro..." se torne quase uma tragédia shakespeariana, o que novamente a aproxima dos textos góticos.
Destaca-se também a ampliação do aspecto mítico da obra, que é adaptado aos mitos japoneses. A morada de Kinu (Catherine) guarda a morada de um deus e Onimaru (Heathcliff) é mais bestializado e, literalmente, aos poucos se torna uma figura demoníaca e vingativa, sendo a paixão obsessiva que nutre por sua amada (Kinu) seu único traço de humanidade. Vale ressaltar que este filme, assim como outros da cinematografia nipônica, alterna passagens mais lentas, quase teatrais, destacando-se uma delas quando Kinu reproduz a famosa frase do texto de Brontë "eu sou Onimaru" (Heathcliff), com  outras, com cenas de sexo bastante fortes, embora não sejam vulgares, ou cheias de violência, que beiram o camp e pela descrição gráfica, onde escorre muito sangue, me fizeram lembrar Kill Bill, de Tarantino. Pode ser que não seja um filme para todos os gostos, mas tive a impressão que esta adaptação conseguiu captar a carga de dramaticidade da obra de Brontë, principalmente, no que se refere ao tratamento dado ao tema do duplo, que aparece de forma perturbadora, e na abordagem da associação entre Eros (amor) e Tanathos (morte), que leva o casal de protagonistas à loucura e a auto-destruição, que em outras produções não me pareceu muito bem explorada. No conjunto, este filme é superior a outra versão cinematográfica feita em 1992, com elenco de atores conhecidos (Ralph Fienes e Juliette Binoche nos papéis centrais) como recriação da narrativa de Brontë, que demonstra  ter apelo universal e pode ser adaptada ao contexto de diferentes culturas.
Infelizmente, o filme não está disponível em dvd no Brasil e nem nos Estados Unidos, pois trata-se de uma obra com potencial cult, mas voltada para o circuito de arte, mas que vale a pena ser conhecida. Quem quiser vê-lo, somente por meio do you tube com legenda em inglês (observação: está dividido em duas partes e sua duração é de aproximadamente 142 minutos. Link abaixo:
Cotação: ****




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