quinta-feira, 25 de julho de 2013

Crítica: "A Espuma dos Dias" e O sermão sobre a queda de Roma"

No início deste ano, após ter feito a leitura de "Os miseráveis", que é não é um livro, mas o que podemos chamar de "monumento literário", de Victor Hugo, surgiu meu interesse em ler outros autores franceses. Eu devo confessar que não aprecio muito obras clássicas da literatura francesa. Li "Madame Bovary", de Flaubert, mas não me entusiasmei muito e tive a impressão que é um romance supervalorizado.  Gostei de"Tereze Ráquin", de Zola, embora até agora não tive coragem de encarar "Germinal", que muitos consideram sua obra-prima. Enfim, posso dizer que não conheço muito sobre literatura francesa em geral, para falar com propriedade sobre ela. 
Nessa "onda" de ler livros franceses, dois deles despertaram meu interesse por razões diferentes: o primeiro, "Espuma dos Dias" é porque foi adaptado para o cinema por Michel Gondry, um dos mais criativos diretores do cinema contemporâneo e dentre seus filmes se destaca "Brilho eterno de uma mente sem lembranças", que para mim é um das grandes histórias de amor da época atual. Vi imagens da adaptação cinematográfica do romance de Vian, que tem um belo visual (uma das características marcantes e sempre presente nos filmes de Gondry) e, a partir daí fiquei curioso em conhecer melhor a obra original (romance). Já a minha segunda escolha, também um romance, intitulado "O sermão sobre a queda de Roma" se deve a apresentação de seu autor, Jérôme Ferrari, na FLIP (que este ano foi totalmente "flop", um fracasso de público, talvez devido ao valor salgado e os autores pouco conhecidos). Na sua mesa de debates, o modo como Ferrari falou sobre seu romance, principalmente, sua descrição sobre seu processo de criação, fez com eu me interessasse por ele.
Bom, então vamos as impressões que tive sobre as duas obras. "Espuma dos Dias" é considerado por alguns, um clássico, sendo comparado na França a "O apanhador no campo de centeio", de Salenger, no que refere à popularidade. Trata-se de um texto de vanguarda que, provavelmente provocou algum tipo de ruptura com os padrões da literatura que era feita na época do pós-guerra (o romance foi publicado em 1947). Ou seja, é um livro "bem moderninho", onde Vian satiriza de tudo: a culinária, os costumes burgueses e, principalmente, o "Existencialismo", representado no romance de Vian pelo personagem "Jean-Partre Sol", que faz uma clara uma referência a Jean Paul Satre, um dos fundadores deste movimento intelectual.   
Com gênero é difícil definir qual a categoria para enquadrar o romance de Vian. É possível que se trate de uma obra de realismo fantástico, uma vez que em seu enredo se destaca a descrição de situações bizarras, com tons surrealistas. Também chama a atenção a escrita de Vian, que em determinadas passagens, assume uma conotação poética, por meio da criação de belas imagens. Além disso, Vian descreve invenções tecnológicas, sendo que algumas delas, têm uma utilização inusitada, o que dá um toque de humor à sua narrativa.
"Espuma dos Dias" começa como uma história leve, engraçada e com momentos divertidos, que são enfatizados por bons diálogos. Acima de tudo, enfoca o relacionamento do "mauricinho" Colin com a bela e delicada Chloé. Inicialmente, descrito em tons "cor de rosa", o dia a dia do casal é abalado pelo surgimento de uma situação inesperada, novamente com contornos fantásticos. Dessa forma, ocorre uma abrupta mudança no tom do romance, que causa um certo desequilíbrio em sua trama, que aos poucos se torna melodramática, até mesmo remetendo aos folhetins lacrimosos, embora isso pareça se dar também por um viés satírico, que pode indicar o diálogo intertextual com uma obra clássica francesa. Além disso, Vian destaca de modo, até mesmo exagerado, a sátira que faz aos existencialistas francesas, que aparecem como um bando de alienados. Assim, do meio para o final, "A Espuma dos Dias" se torna um pouco irregular; existem bons momentos e outros que podem cansar o leitor.  Nota-se também que próximo do fim, o romance tem situações que me parecem não muito bem resolvidas, destacando-se dentre elas, a que envolve o casal de protagonistas que para mim se resolveu de forma um tanto fria, sem emoção. De qualquer forma, é uma obra interessante, embora esteja mais para cult do que para um clássico, principalmente, pela escrita criativa, original e transgressiva de Vian. 
"o sermão sobre a queda de Roma" é um tipo de literatura bem diferente. Trata-se de um romance, onde se destaca uma escrita que se configura a partir do que podemos chamar de "movimento vertiginoso", ou seja, ela aparece em um fluxo quase contínuo e somente é interrompida com diálogos curtos. Apesar de ser uma obra relativamente curta para um romance (cerca de duzentas páginas), ela se revela bastante complexa e possibilita diferentes níveis de leitura.
Em seu enredo correm duas narrativas paralelas: uma protagonizada por dois amigos, Matthie e Libero, que após se formarem abandonam carreiras acadêmicas, decidem retorna à região da Córsega, onde passaram a infância para gerenciarem um bar e outra que é focada em Marcel, que relembra marcantes eventos de seu passado. 
Dessa forma, Ferrari (que tem formação como professor de filosofia) aborda, acima de tudo, a temática do homem X barbárie, principalmente, em algumas assustadoras passagens que estabelecem um diálogo intertextual com "O Coração nas Trevas", de Joseph Conrad. Também é possível notar que neste romance transparece a ideia de que mesmo quando há vitória, também existe a perda, que resulta em consequências irreparáveis, principalmente, para um dos protagonistas. Em uma primeira leitura, é possível compreender em seu desfecho, que o principal cenário, onde se passa grande parte de sua trama, tem uma significação metafórica, a qual remete a queda das grandes civilizações, que vem a ser o cerne do texto de Ferrari. Neste aspecto, o romance de forma simbólica "ilustra" o declínio da Europa, e até mesmo da própria França, antes uma das nações mais poderosas do mundo, mas que no presente momento, atravessa uma grave crise em todos os níveis.
Embora não seja muito fácil de ler, por seu tom pessimista, quase cético, e, principalmente, pela escrita seca e direta de Ferrari, embora não desprovida de beleza e até mesmo certo vigor, "O sermão sobre a queda de Roma" impressiona, pelo modo trata, até mesmo pelo viés filosófico, uma problemática bastante atual. Assim, é um romance que se destaca por seu estilo de narração e também, por procurar demonstrar os tênues limites que separam o comportamento civilizado e o aspecto primitivo e bárbaro do ser humano, de forma, não menos que notável e até mesmo surpreendente e chocante em alguns momentos.

"A Espuma dos Dias": cotação *** (bom)
"O sermão sobre a queda de Roma": *** (bom)

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