O grande problema para quem lê O Iluminado, depois de ter visto o filme de Stanley Kubrick que se tornou um clássico do gênero horror/ terror, é não procurar estabelecer uma ligação direta entre os dois. É uma tarefa difícil, porque as assustadoras imagens das irmãs gêmeas no fundo de um corredor do Overlock hotel, e, principalmente, de Jack Nicholson carregando um machado e correndo enlouquecido ficam gravada na memória. Por isso, para que se possa apreciar a leitura do livro de King, é necessário esclarecer que, apesar deste ter o mesmo ponto de partida que o filme de Kubrick, estamos diante de duas obras autônomas, de desenvolvimentos e finais distintos e, por isso, ambas devem ser analisadas de forma diferenciada.
O Iluminado, o livro, não é uma simples história de fantasmas, que, provavelmente, tem suas origens em O Castelo de Otranto, pouco lembrado romance gótico (citado por King em Dança Macabra, seu livro de ensaios sobre o gênero do terror). Durante a leitura do livro, não há duvida que o Overlook hotel é uma releitura do velho tema do castelo e da casa mal assombrada, embora, em O Iluminado, King procure ir muito além do simples susto fácil. Conforme já foi observado por alguns críticos literários, o autor se sai sempre melhor em sua abordagem dos horrores da vida cotidiana.
Assim, os demônios e os fantasmas que apavoram e desestabilizam a família Torrence ao longo do desenvolvimento da narrativa de O Iluminado encontram ressonância no mundo real. Esses temores reais, tais como, o alcoolismo, violência doméstica, instabilidade emocional provocada até mesmo pela sensação de fracasso na vida profissional assombram o protagonista do romance, Jack Torrence, que ao contrário do psicótico retratado no filme de Kubrick é descrito no livro de King como um homem comum, embora, aos poucos demonstre sinais de perturbação mental.
Um dos grande méritos do livro é o modo como King conduz sua narrativa. Apesar dela ser narrada em terceira pessoa, principalmente, em sua parte inicial, nós temos livre acesso aos pensamentos de Jack, Wendy e do personagem central, Danny, " o iluminado" que dá título a obra, reforçando assim o clima de tensão e suspense.
O Iluminado também se destaca por investir no terror, uma vez que o leitor muitas vezes é obrigado a preencher as lacunas deixadas por King e não sabe exatamente se alguns eventos sobrenaturais, a exemplo das criaturas assustadoras que habitam o jardim do Overlock hotel,- ausentes no longa de Kubrick, mas que têm grande importância no livro de King, ocorrem ou é produto de uma alucinação produzida pela fértil mente de Danny. Embora não deixe de lado momentos de horror bastante eficientes, tais como a passagem em que o garoto é atacado pela monstruosa criatura que habita um dos quartos do hotel, O Iluminado investe no elemento sobrenatural que suscita dúvidas sobre sua existência e, por isso, mais assustador aos olhos do leitor.
Também no romance chama a atenção a maneira como este estabelece, por meio da macabra cena do baile, um diálogo intertextual com A máscara da morte rubra, conto escrito por um autor, especialista no gênero horror/terror, que exerceu grande influência sobre a produção literária de King: Edgar Allan Poe.
Também no romance chama a atenção a maneira como este estabelece, por meio da macabra cena do baile, um diálogo intertextual com A máscara da morte rubra, conto escrito por um autor, especialista no gênero horror/terror, que exerceu grande influência sobre a produção literária de King: Edgar Allan Poe.
Assim, é a forma como propõe uma nova configuração ao muito explorado motivo da casa amaldiçoada, de modo a suscitar sobre ele diferentes leituras, até mesmo pelo viés do "estranho" freudiano, que O Iluminado é um dos melhores livros de Stephen King. Com certeza, quem o lê este livro se sentirá puxado como um imã para dentro do interior dos corredores do Overlock hotel descrito como um personagem e que está cercado de sinistros mistérios, os quais são capazes de fascinar e assustar ao mesmo tempo. O Iluminado é das obras-primas de Stephen King, que assim como seu ídolo, Edgar Alan Poe, também é um grande mestre da literatura fantástica, talvez o maior do séculos XX e XXI.

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