domingo, 5 de fevereiro de 2012

A literatura gótica: seu surgimento, as principais obras e seus desdobramentos (parte 05)

Sobre O Médico e o Monstro e Drácula, é importante enfatizar que essas duas obras ambas elevadas à condição de clássicas, foram responsáveis por promover uma revitalização do gótico como gênero literário ao associá-lo ao tema da ameaça de degeneração, que no final do século XIX era motivo de pânico entre os vitorianos.
Dessa forma, o escritor Robert Louis Stevenson (1850-1894) em O Médico e o Monstro, retomou e revisou o tema dos perigos da alteração das leis da Natureza por meio da invenção científica - que apareceu inicialmente em Frankenstein, outro texto que modificou a temática gótica-, dando a ele um novo tratamento, no qual a utilização de uma droga experimental faz com a mente do Dr. Jekyll entre em contínuo processo degenerativo, o que o torna sob a aparência do bestial Hyde um ser primitivo que não consegue controlar um incontrolável e violento impulso homicida. Além disso, essa obra de Stevenson, apontada como sua obra-prima, também foi responsável por promover o horror e o terror dentro do ambiente cotidiano londrino, descrito quase sempre inserido em ambientes assustadores, tais como ruas pouco iluminadas, envolvidas em uma espessa névoa. Um cenário que após a publicação de O Médico e Monstro, foi tomado por uma série de crimes violentos que envolviam uma figura misteriosa que, posteriormente, seria incorporada a literatura gótica: Jack, o estripador, cuja selvageria e o mistério em torno de sua verdadeira identidade propiciaria uma imediata identificação com o Jekyll/ Hyde, a mais brilhante criação de Stevenson.
Esse retorno ao gótico mais tradicional, onde os elementos de horror e terror estão presentes e assumem grande intensidade, também encontrou suporte em Drácula, de Bram Stoker (1847-1912).  Neste romance, o Conde Drácula, a imortal criação de Stoker é um nobre decadente que habita um assustador castelo, nos Montes Cárpatos, que após adquirir uma propriedade nos arredores de Londres, aprisiona o agente imobiliário Jonathan Harker – em curiosa inversão da prisão da heroína, quase sempre presente na ficção de Ann Radcliffe-, e parte para essa cidade com um propósito sinistro: o de transformar seus habitantes em vampiros. É partir dessa premissa, que Stoker desenvolve a trama de sua obra, revendo um antigo mito (o vampiro) e inserindo-o dentro da sociedade londrina, que estava em constante mudança social-histórica, de costumes, e principalmente, de mentalidade durante século XIX, uma época na qual se destacam o surgimento de técnicas científicas, tais como a Hipnose e a Ciência Forense, o estudo do sonambulismo e outras patologias misteriosas associadas a uma manifestação do lado inconsciente da mente e os esforços das mulheres de estarem em pé de igualdade com os homens em uma sociedade predominantemente masculina.
Além disso, o autor dá uma nova ênfase ao tema do vampirismo descrevendo-o como uma doença epidêmica, na qual seu principal agente Drácula transforma a aparente inocente Lucy em uma criatura vampira, cuja aparência oscila entre a beleza irresistível e a máscara cadavérica de monstruosidade. Sobre essa personagem também vale ressaltar que, Lucy pela ação de Drácula se converte em vampiro dentro de processo doloroso de metamorfose que implica na mutação de seu corpo enfatizado pelo aparecimento de presas em sua boca e extrema palidez. Além disso, após ser convertida em uma vampira, Lucy passa a sofrer uma lacuna em suas emoções e desenvolve a necessidade de consumir sangue humano, principalmente, de uma parcela da população pertencente ao sexo masculino. Assim, a jovem passa a representar uma ameaça, uma vez que por meio da transmissão de sua maldição, que consiste em transformar humanos em vampiros, por meio de uma mordida – elemento esse que dá ao vampirismo uma forte conotação sexual - ela é capaz de provocar uma espécie de contaminação entre todos os habitantes de Londres e, desse modo, aumentar o círculo vicioso iniciado por Drácula, que após ter seus planos descobertos passa a ser caçado por pessoas que reúnem forças para tentar impedi-lo e representam várias classes sociais dominantes na sociedade inglesa, a saber: o médico, o aristocrata, o burguês, a professora e até mesmo o estrangeiro.
Dentre suas possíveis leituras, Drácula pode ser compreendido como uma metáfora sobre a proliferação da Sífilis, que era motivo de temor entre os vitorianos, uma vez que um dos sintomas mais conhecidos dessa doença consistia na gradativa degeneração do corpo humano. Também dentro desta abordagem, é possível que as profissionais do sexo, as prostitutas, consideradas os principais focos de contaminação da Sífilis (cujo nome remete a deusa Vênus, divindade associada ao sexo na mitologia greco-romana), possam estar metaforicamente representadas nas vampiras insaciáveis descritas por Stoker em sua mais obra mais conhecida e que, assim como a de Stevenson influenciaria e continua influenciando escritores dos séculos XX e XXI.

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