Sobre O Médico e o Monstro e Drácula,
é importante enfatizar que essas duas obras ambas elevadas à condição de
clássicas, foram responsáveis por promover uma revitalização do gótico como
gênero literário ao associá-lo ao tema da ameaça de degeneração, que no final
do século XIX era motivo de pânico entre os vitorianos.
Dessa forma, o escritor
Robert Louis Stevenson (1850-1894) em O Médico e o Monstro,
retomou e revisou o tema dos perigos da alteração das leis da Natureza por meio
da invenção científica - que apareceu inicialmente em Frankenstein, outro texto que modificou a temática gótica-, dando a
ele um novo tratamento, no qual a utilização de uma droga experimental faz com
a mente do Dr. Jekyll entre em contínuo processo degenerativo, o que o torna
sob a aparência do bestial Hyde um ser primitivo que não consegue controlar um
incontrolável e violento impulso homicida. Além disso, essa obra de Stevenson,
apontada como sua obra-prima, também foi responsável por promover o horror e o
terror dentro do ambiente cotidiano londrino, descrito quase sempre inserido em
ambientes assustadores, tais como ruas pouco iluminadas, envolvidas em uma
espessa névoa. Um cenário que após a publicação de O Médico e Monstro, foi
tomado por uma série de crimes violentos que envolviam uma figura misteriosa
que, posteriormente, seria incorporada a literatura gótica: Jack, o estripador,
cuja selvageria e o mistério em torno de sua verdadeira identidade propiciaria
uma imediata identificação com o Jekyll/ Hyde, a mais brilhante criação de
Stevenson.
Esse retorno ao gótico
mais tradicional, onde os elementos de horror e terror estão presentes e
assumem grande intensidade, também encontrou suporte em Drácula, de Bram Stoker
(1847-1912). Neste romance, o Conde Drácula, a imortal criação de Stoker
é um nobre decadente que habita um assustador castelo, nos Montes Cárpatos, que
após adquirir uma propriedade nos arredores de Londres, aprisiona o agente
imobiliário Jonathan Harker – em curiosa inversão da prisão da heroína, quase
sempre presente na ficção de Ann Radcliffe-, e parte para essa cidade com um
propósito sinistro: o de transformar seus habitantes em vampiros. É partir
dessa premissa, que Stoker desenvolve a trama de sua obra, revendo um antigo
mito (o vampiro) e inserindo-o dentro da sociedade londrina, que estava em
constante mudança social-histórica, de costumes, e principalmente, de
mentalidade durante século XIX, uma época na qual se destacam o surgimento de
técnicas científicas, tais como a Hipnose e a Ciência Forense, o estudo do
sonambulismo e outras patologias misteriosas associadas a uma manifestação do
lado inconsciente da mente e os esforços das mulheres de estarem em pé de
igualdade com os homens em uma sociedade predominantemente masculina.
Além disso, o autor dá
uma nova ênfase ao tema do vampirismo descrevendo-o como uma doença epidêmica,
na qual seu principal agente Drácula transforma a aparente inocente Lucy em uma
criatura vampira, cuja aparência oscila entre a beleza irresistível e a máscara
cadavérica de monstruosidade. Sobre essa personagem também vale ressaltar que,
Lucy pela ação de Drácula se converte em vampiro dentro de processo doloroso de
metamorfose que implica na mutação de seu corpo enfatizado pelo aparecimento de
presas em sua boca e extrema palidez. Além disso, após ser convertida em uma
vampira, Lucy passa a sofrer uma lacuna em suas emoções e desenvolve a
necessidade de consumir sangue humano, principalmente, de uma parcela da
população pertencente ao sexo masculino. Assim, a jovem passa a representar uma
ameaça, uma vez que por meio da transmissão de sua maldição, que consiste em
transformar humanos em vampiros, por meio de uma mordida – elemento esse que dá
ao vampirismo uma forte conotação sexual - ela é capaz de provocar uma espécie
de contaminação entre todos os habitantes de Londres e, desse modo, aumentar o
círculo vicioso iniciado por Drácula, que após ter seus planos descobertos
passa a ser caçado por pessoas que reúnem forças para tentar impedi-lo e
representam várias classes sociais dominantes na sociedade inglesa, a saber: o
médico, o aristocrata, o burguês, a professora e até mesmo o estrangeiro.
Dentre suas possíveis
leituras, Drácula pode
ser compreendido como uma metáfora sobre a proliferação da Sífilis, que era
motivo de temor entre os vitorianos, uma vez que um dos sintomas mais
conhecidos dessa doença consistia na gradativa degeneração do corpo humano.
Também dentro desta abordagem, é possível que as profissionais do sexo, as
prostitutas, consideradas os principais focos de contaminação da Sífilis (cujo
nome remete a deusa Vênus, divindade associada ao sexo na mitologia
greco-romana), possam estar metaforicamente representadas nas vampiras
insaciáveis descritas por Stoker em sua mais obra mais conhecida e que, assim
como a de Stevenson influenciaria e continua influenciando escritores dos
séculos XX e XXI.
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