Os livros que integram a série "As Crônicas de Gelo e Fogo" atualmente ocupam o topo entre os mais vendidos no Brasil, o que implica na seguinte pergunta: por que apesar de todos eles serem volumosos (cada volume tem mais de quinhentas páginas), terem uma trama complexa cheia de reviravoltas e uma grande quantidade de personagens estão tendo uma boa aceitação entre os leitores, mesmo aqueles que não estão acostumados a encarar este tipo de literatura?
Tentar explicar este fenômeno literário, não é tarefa fácil. Talvez, a saga épica do escritor norte-americano George R. R. Martin tenha ocupado o espaço vago deixado pelas aventuras de Harry Porter, e, dessa forma, conseguiu renovar o fascínio por uma realidade imaginária, onde se destacam a fantasia e o sobrenatural. Outra possível explicação é que a narrativa de Martin apresenta alguma semelhança com outra obra épica, também inserida dentro do gênero da fantasia, e que se tornou um clássico da literatura inglesa: “O Senhor dos Anéis”, de Tolkin, imortalizada no cinema pelo diretor neo-zeolândes Peter Jackson. Também não se pode ignorar que a partir dos romances que integram essa saga foi produzida uma série de TV, que se tornou um grande sucesso de audiência nos Estados Unidos e também conquistou vários fãs no Brasil.
Mas, apesar de todas essas razões serem capazes de justificar o surgimento do interesse nos livros da série "A Guerra dos Tronos", é importante ressaltar que, eles possuem defeitos (felizmente, poucos) que podem irritar um pouco o leitor, tais como a descrição desnecessária de cenas de sexo e violência e a utilização de uma linguagem, às vezes chula.
No entanto, Martin do mesmo modo que J. K. Holling e Neil Gaiman, também é um bom contador de histórias e consegue urdir bem elaboradas intrigas que aos poucos assumem grande importância no enredo de seus livros, todas elas motivadas pela sede de poder e ambição. Assim, no "Jogo dos Tronos" criado por Martin, nem sempre existe espaço para valores morais tais como a confiança, honra e amizade. Neste, os melhores jogadores arriscam-se em lances perigosos, como é o caso da rainha Cersei, que em defesa do direito ilegítimo do filho de se tornar rei, planeja e executa planos com conseqüências terríveis, equilibrando-se no fio da navalha. O maquiavélico Mindinho, também é outro personagem que planeja suas jogadas, dissimulando suas verdadeiras intenções e, somente as demonstra de forma inesperada, com o propósito de surpreender e aniquilar seu adversário. Soma-se a essas duas figuras de traços shakesperianos, o anão Tyrion, que vem a ser interessante criação de Martin, e que entra nessa disputa, motivado pelo desejo de defender a duvidosa reputação da Casa Lanister e também de provar para o pai, que sua deformidade física não o incapacita de ser um estrategista melhor que seu irmão "perfeito" Jaime, mesmo que em certas situações, ele esteja disposto a colocar sua própria vida em risco.
É curioso, que no "Jogo dos Tronos" idealizado por Martin, o mau jogador é aquele que melhor demonstra que o jogo político, grande parte das vezes, é cruel, desumano e não segue regras especificas. Ned Stark, um dos protagonistas da trama, por estar arraigado ao senso de justiça e a honestidade, percebe tarde demais seu papel dentro dele como sendo apenas um peão no jogo, uma peça que pode ser sacrificada para assegurar a vitória de um de seus jogadores. Ned sem ter intenção alguma é literalmente arremessado dentro de uma conspiração palaciana, cujo principal objetivo é matar o atual rei para assumir o controle sobre os sete reinos (representado no livro pelo trono de ferro, um símbolo de que poder também pode ser uma constante fonte de sofrimento para aquele que o possui). Dessa forma, é provável que Martin em sua obra, proponha uma reflexão sobre as implicações das manobras políticas, demonstrando que o lado vencedor nem sempre age de modo justo, ainda mais, quando este é motivado pela conquista de um cargo, onde será decidido o destino de uma nação.
Portanto, o jogo envolvendo interesses escusos de "A Guerra dos Tronos", que constitui seu principal atrativo, em sua essência não é muito diferente de outros, que acontecem nos bastidores da política, seja no Brasil ou em outros lugares do mundo. Além disso, o conflito armado desencadeado pelas maquinações políticas, assemelha-se em sua selvageria e na defesa de interesses nem sempre legítimos a outras guerras reais recentes, como aquela que teve como conseqüências a destruição parcial do Iraque e a morte de milhares de soldados norte-americanos.
Assim, apesar de "A Guerra dos Tronos" ser uma obra de ficção inserida no gênero da fantasia, ela consegue de forma inteligente refletir uma cruel verdade: a arte da política é sempre um instrumento de poder usado pelos mais fortes para dominar os mais fracos. Também é por meio dela que surgem os tiranos, que elaboram suas próprias normas e procuram legitimar regimes de terror, onde a justiça é distorcida e os valores morais não tem a mínima importância, conforme atesta o inesperado e chocante desfecho da primeira parte da saga épica de Martin, que assim como outros escritores intencionalmente ou não, consegue exprimir aspectos de uma realidade atual e contraditória.
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