terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Exorcizando a literatura de massa

Uma coisa que me deixa profundamente irritado quando leio alguns trabalhos acadêmicos, principalmente, dissertações e teses é a definição de literatura de apelo mais popular, como "literatura de massa". Para quem não sabe a chamada literatura de massa, é um tipo de texto literário considerado pelos "entendidos em literatura" como inferior, pois é voltado para atingir as massas, na qual se destaca o leitor que não tem muita cultura. No entanto, esse conceito, infelizmente amplamente usado no meio acadêmico é em sua natureza bastante polêmico, e, até mesmo preconceituoso.
Apesar de ter feito muitas pesquisas, até agora não consegui descobrir como ele surgiu. Pelo que fiquei sabendo, provavelmente, esse conceito apareceu por volta dos anos sessenta e setenta, para combater, digamos assim, um tipo de literatura que visava atingir o maior número de leitores por meio de enredos "novelescos", digamos assim, cheio de situações inverossímeis e clichês, tais como a mocinha em perigo, o galã herói, o vilão malvado que inferniza a vida dos dois, assim adiante.
O curioso que esta designação moderna de literatura também tenha sido aplicada para se referir a gêneros literários anteriores à sua criação. Assim, dessa forma, por meio desse conceito duvidoso toda a produção de romances góticos, de textos de ficção científica e narrativas policiais ou suspense geralmente são incluídos dentre deste "pacote", e, por isso, considerados literatura de massa.
Literatura de massa? Como é possível que romances de Dashiel Hamnet e James Cain, onde se destacam personagens cheios de nuances, construção narrativa bem elaborada, de modo que o leitor não tenha acesso direto à trama,e lances inesperados e surpreendentes, serem rotulados como literatura inferior?
Mesmo o romance gótico e a ficção científica, dois gêneros literários que ainda enfrentam a resistência por uma parte da crítica literária, parecem não se enquadrarem como literatura de massa. É fato que algumas obras, pertencentes ao gótico sejam de qualidade inferior, como é o caso de O Castelo de Otranto, assim como muitas narrativas de FC ou romances policiais ou suspense. No entanto, o problema é que alguns integrantes do meio acadêmico costumam "rotular"  toda a produção desses gêneros literários como "literatura de massa", dessa forma, atribuindo-lhes um valor discutível.
Com o tempo até mesmo os críticos mais exigentes, como o americano Harold Bloom reconheceram as qualidades de textos góticos, que na época de sua publicação foram rejeitados ,e até mesmo foram considerados imorais. Contudo, felizmente, na época atual é possível constatar que muitos deles devido a suas importantes inovações na forma e no conteúdo, aos poucos foram elevados à condição de clássicos.
Dentre essas obras, "Frankenstein", de Mary Shelley, além de ampliar o escopo da Ficção Científica, também foi capaz de criar um mito em si, que faz um alerta para os perigos da manipulação genética, um tema que nos preocupa até a época atual. Drácula, de Bram Stoker, é outro texto gótico que chama a atenção, principalmente por a estrutura narrativa fragmentada, constituída por uma colagem de diferentes tipos de textos (cartas, diários,e, até mesmo relatórios científicos) que além de ter inaugurado a modernidade na literatura inglesa, também pode ser compreendido como uma metáfora sobre os males causados por uma sexualidade pervertida, que predomina e torna-se motivo de pânico na época vitoriana. Também nessa mesma época, foi publicado O Médico e o Monstro, de Stevenson, outro romance que contribuiu para a renovação do gótico e percursor das teorias de Sigmund Freud sobre o estranho e o inconsciente, que constataram a existência de um lado oculto e reprimido da personalidade humana.
Além desses textos, vale ressaltar a importância de outro romance, que também se desenvolve dentro de uma atmosfera gótica, reconhecido por sua linguagem poética e cuja dramaticidade remete à das tragédias gregas: O Morro dos Ventos Uivantes, considerado pelos críticos mais ranzinzas uma das maiores obras-primas da literatura inglesa.
Diante dessa breve exposição, como é possível dizer que tudo que se produziu dentro do gótico e da Ficção Científica, das narrativas policiais ou de mistério é considerado literatura de massa? Por que uma parte da crítica literária insiste em não reconhecer a importância dessas obras que trouxeram inovações estáticas, propuseram questionamentos sobre a ciência e a natureza humana ou foram capazes de produzir a cartase, de modo a dialogar com a tradição literária?
Assim, por meio dessas observações, eu humildemente proponho que nós que nos dedicamos ao estudo da literatura reflitamos sobre o que vem a ser "literatura de massa" e o mais importante: esse conceito tem relevância em uma época, na qual Umberto Eco, Michael Chabon, Salman Rushie, Ewan Mcwean, Comarc Macarthy, Kazuo Ishiguro, Toni Morisson, alguns autores alçados pela crítica literária ao patamar da "alta literatura", em seus livros costumam estabelecer um diálogo intertextual com gêneros literários taxados como inferiores, tais como o romance gótico, a narrativa policial ou suspense e, até mesmo com as histórias em quadrinhos?
Por falar em quadrinhos, sua "literalidade" é um assunto muito discutido na atualidade, principalmente, pelo nível de qualidade de um tipo específico: a grafic novel (romance gráfico). Mas isso é assunto para o próximo post. Até mais e peço que mandem suas opiniões para que possamos debater este assunto. Abraço.

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