sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Neil Gaiman: o criador de mundos fantásticos (parte 03)


É Desejo, também irmã gêmea de Sonho, que também é chamado Morfeus (uma referência ao deus grego do sono), o personagem mais intrigante e uma das melhores criações de Gaiman. Por simbolizar metaforicamente o desejo humano e suas motivações nem sempre racionais, Desejo é hermafrodita, ou seja, é ao mesmo do sexo masculino e feminino. Assim, seu aspecto andrógeno é enfatizado na série por meio de imagens: ora ela aparece vestida com um terno masculino e outros momentos, Desejo assume seu lado feminino, representado pelo uso de espartilho e cinta-liga, o que contribui para demonstrar sua sensualidade latente. Além disso, ao logo de toda a série, essa personagem assume grande importância por arquitetar varias maquinações com o propósito de destruir Morfeus, dando origem a uma série de situações, que posteriormente, conduzem a um desfecho inesperado, trágico e surpreendente.
Também outros dois outros integrantes dos Perpétuos se destacam na série: Destino, cuja responsabilidade é a de “fechar” o grande livro da vida quando tudo acabar, descrito como um homem idoso, vestindo sempre um capuz, que apesar de cego sempre sabe previamente o que irá acontecer, e Destruição, a “ovelha negra” da família, que cansado de exercer sua função, desapareceu misteriosamente.
É importante enfatizar que, durante o desenvolvimento de toda a série, Gaiman foi tornando-a cada vez mais complexa, afastando-a aos poucos do universo da DC, de modo que até mesmo a aparição de personagens que integram as Hqs dessa editora parece ser feita por meio de um exercício de intertextualidade, uma vez que eles assumem uma dimensão psicológica, marcada por conflitos existenciais. Também ao longo de Sandman, Gaiman experimentou várias técnicas narrativas (flashbacks, elipses, recuos e avanços, mudanças abrutas de focalização), estabeleceu diálogos com a cultura pop dentro de diferentes manifestações e, principalmente, com vários tipos de narração  que remetem à tradição oral, promovendo assim contínuas inserções de “uma história dentro de outra história”.
Dessa forma, Sandman tornou-se uma metaficção, uma vez que em muitos momentos, Gaiman discute as dificuldades da criação literária, principalmente por meio das inesperadas aparições de um “certo” draumaturgo e bardo inglês chamado William Shakespeare e de Calíope, a musa da inspiração. Além disso, a série foi uma espécie de laboratório para que, Gaiman posteriormente, desenvolvesse dois romances, Deuses Americanos e Os Filhos de Anansi, os quais também estabelecem um diálogo intertextual com Sandman, seja por meio da retomada de personagens, ou por meio de referências diretas ou indiretas a essa série.    
Esta breve exposição é muito pouco para resumir no que consiste essa obra-prima, sem dúvida, uma das melhores Hqs dos anos 80 e 90, e talvez do século. O melhor mesmo é se aventurar em suas páginas e acompanhar de perto as desventuras de Morfeus, o Senhor dos sonhos e deixar que ele espalhe sua areia mágica nos olhos e, desse modo, conhecer um mundo mágico surgido da mente de um brilhante escritor, que nos faz refletir sobre a dimensão do conceito de literatura na época atual.
         

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